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Zero Hora: Entrevista de Anette Ruas para o Zero Hora em 20/03/2011

A série Beleza Interior visita Pelotas, o paraíso das guloisemas localizado no sul do Estado, berço de confeiteiros talentosos. Em todos os sábados deste ano, Zero Hora percorrerá cidades do Rio Grande do Sul em busca de personagens e histórias que ajudam a moldar a cultura e as tradições do interior gaúcho.

Um caderninho escolar surrado, sujo de comida, é o maior patrimônio de Anette Ruas, 53 anos. Mais sigiloso do que agenda de adolescente, mais importante do que inventário de morto.

Ela troca o objeto de esconderijo toda semana. Às vezes esconde tão bem que tarda a achar. O conteúdo vale a fortuna acumulada de três gerações. Trata-se do livrinho de receitas da família, alma da empresa "Anette Ruas". A verdadeira bíblia do açúcar, com os segredos portugueses de 40 tipos de confeitos, sustenta uma fábrica de 15 funcionários e gera uma produção de 5 mil produtos por dia. É óbvio que a história acontece em Pelotas, cidade que é sobrenome de doce, onde até existe legislação para evitar a concorrência desleal.

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Nas vitrines pelotenses, não vale colocar brigadeiro grande para ganhar a preferência do cliente. Doce de festa precisa ter até 40 gramas e o de confeitaria não pode ultrapassar 70 gramas. O melhor negrinho é sempre o menor, do tamanho de uma unha e que se desmancha na boca. O terceiro município mais populoso do Estado, a 250 quilômetros de Porto Alegre, leva a sério a atmosfera pecadora de claras, gemas, chocolate e massas. Isso explica a preocupação obsessiva de Anette em proteger suas fórmulas.

- Minha biografia são as receitas.

Mas não espere letra arredondada de caligrafia. A encadernação está acabada, com algumas folhas soltas e recheada de códigos, asteriscos e anotações apressadas. Os filhos de Anette, quando pequenos, aproveitaram a distração materna com as panelas e desenharam caretas, nuvens e sol entre o modo de preparo da queijadinha e do camafeu. Telefones de eletricista e pedreiros e outras emergências aparecem de repente, sem nenhuma explicação.

- A confusão é a essência do caderninho, a vida no meio da vida - explica.

O caderno esnobou a amizade da borracha. Um sacrilégio impensável é passar a limpo as informações.

- Assim como é impossível viver sem palavrão na intimidade - compara.

O prazer reside na simplicidade. As rasuras enganam curiosos e dificultam a localização dos tesouros. A receita de quindim, a mais importante, está no rodapé da página, como se fosse secundária.

- Quem escreve bonito demais não cozinha bem - esclarece.

Segundo Anette, não convém separar a vida pessoal da profissional. Ela abriu o negócio em 2001, no casarão do avô Pedro, após desemprego do marido, Renato, no comércio de couro. Assumiu o legado cultural iniciado pela madrinha Nilza há 50 anos. O que veio como um socorro das finanças acabou justificando a precocidade gustativa na infância.

- Debaixo das acácias, aos nove anos, eu colocava chimia de pêssego nos tachos e ouvia as estórias da avó Conceição e da mãe Maria Lopes. Cozinhar é lembrar o quanto já fui amada - confessa.

O amor influencia a rotação das panelas e das mais altas estrelas. Não é lenda: uma noite romântica melhora a qualidade do confeito. José Antonio, 18 anos, espera que o nome das guloseimas lhe ajude a arrumar a primeira namorada. Já traçou o plano de carreira na fábrica. Começar por beijinho de coco, enfrentar o olho de sogra para terminar bem casado.

O doce exige mesmo romance, já que é feito um por um, com paciência artesanal. Pamela Furtado Armindaliz, 21, bate o cartão um pouco frustrada com a maravilhosa recepção do seu trabalho. Ela pinta os bombons durante horas para serem devorados em segundos.

- Devo entender que não é um enfeite. Quanto mais saboroso, mais rápida a despedida - lamenta Pamela.

Anette dedica a manhã e a tarde ao paraíso da glicose. Nas folgas noturnas, é de se esperar que fique longe do fogão. Que nada. Seu lazer é fazer figos em calda.

- O doce é meu coração calmo - suspira.

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